sábado, 25 de julho de 2009

O amigo que Darwin tinha no Brasil

POR EDUARDO REAL


Johann Friedrich Theodor Müller, conhecido como Fritz Müller, nasceu em 31 de março de 1822 na aldeia de Windischolzhausen próxima a Erfurt na Alemanha.Neto e filho de pastores protestantes, Müller demonstrou desde a infância grande interesse pela história natural no que foi estimulado pelo pai.

Cursou universidade em Berlim onde teve mestres como Lichtenstein e Erichson (zoólogos), Hornschuch e Kunth (botânicos) e Johannes Müller (fisiólogo).

Estudou farmacologia, ciências naturais e matemática. Doutorando-se em filosofia aos 22 anos de idade.
Em 1845 se inscreveu em um concurso para professor ginasial em Erfurt. Mas sua carreira durou pouco, pois as perseguições políticas realizadas pelo imperador Frederico “O Grande” obrigavam os professores a ensinar apenas o que o governo queria. Diante de seu propósito de jamais ser hipócrita (“sempre que tiver que falar, hei de dizer a verdade” – frase em carta enviada ao irmão August) abandonou seu emprego.

Após deixar de lecionar, Fritz Müller foi estudar medicina concluindo o curso em 1849.Novamente teve seu sonho interrompido. Por não ser mais cristão, negou a pronunciar frases religiosas durante o juramento em sua colação de grau e por esse motivo não recebeu o diploma de médico e não pode exercer a profissão. Voltou então a lecionar, mas desta vez como professor particular.

Fritz deixou de ser cristão durante a faculdade de medicina. O motivo foi a hipocrisia das instituições religiosas. Em 1848 se casou com Karoline Töellner e em 1849 nasceu sua primeira filha, Louise. Em 1852 nasceu sua segunda filha, Johanna e poucos dias depois a filha primogenita morreu.

No mesmo ano, leu um livreto escrito pelo Dr. Blumenau que divulgava a colônia fundada por ele no Brasil e Fritz Müller decidiu emigrar. Sobre o qual disse “Nessa intolerância religiosa vigente no país de Frederico não se poderia esperar por enquanto alguma mudança, então decidi emigrar. Escolhi o Brasil, primeiramente por sua rica flora e fauna, em segundo lugar porque acreditava que aqui a índole alemã poderia se conservar mais facilmente do que entre os ianques e em terceiro lugar porque o fundador da Colônia Blumenau, já me era conhecido de muitos anos”. Em 19 de maio de 1852 embarcou para o Brasil a bordo do veleiro Florentin, juntamente com a sua família e o irmão August e sua esposa. Após dois meses chegaram ao Brasil e se instalaram em Blumenau abrindo clareiras na mata e construindo uma cabana. Tempos depois uma enchente destruiu sua casa e se mudou para a outra margem do rio Itajaí onde construiu uma casa no estilo enxaimel (onde hoje é o Museu Ecológico Fritz Müller). [1]

Nos primeiros anos em que morou na colônia, Müller ajudou a construí-la, pesquisou a fauna e flora e atendeu os casos de doenças mais graves. Tinha relacionamento amigável com os índios da região que o protegiam contra animais selvagens enquanto realizava pesquisas na mata.

Contudo, Dr. Blumenau se sentiu incomodado com seu comportamento, temia que suas convicções políticas e seu descaso com a religião pudessem influenciar outros colonos. Logo tratou de lhe arranjar um emprego de professor de matemática em Desterro (atual Florianópolis) e apesar de saber as verdadeiras intenções de Dr. Blumenau, Fritz Müller aceitou o cargo de bom grado.

O emprego lhe caiu como uma luva, pois tinha tempo livre para realizar suas pesquisas sobre história natural e aliado ao fato de morar perto do mar, uma fonte inesgotável de pesquisa, foram determinantes em sua carreira de naturalista. Morou em Desterro de 1856 até 1867. Em 1856 foi ao Rio de Janeiro se naturalizar brasileiro.

Em 1861 Fritz Müller recebeu de presente de seu amigo Max Schultze, professor de zoologia em Halle, um exemplar do livro “A Origem das espécies” de Charles Darwin em alemão e ficou fascinado com os argumentos apresentados por Darwin, aceitando a teoria da evolução.Após a leitura do livro resolveu escrever uma carta para Charles Darwin falando sobre o livro (pratica comum entre os naturalistas da época). Então lhe veio outra idéia. Fazer seus próprios experimentos para comprovar a teoria da evolução.

Fritz Müller então buscou uma espécie para servir como modelo para colocar a prova a teoria de Darwin. Optou pelos crustáceos por vários motivos; por serem abundantes na região, já terem uma classificação taxionômica conhecida e por apresentarem um desenvolvimento ortogenético complexo e variado.Em abril de 1862 ele escrevia ao irmão em Lippstadt: "No último verão me ocupei quase que exclusivamente com crustáceos, mais propriamente com a história do desenvolvimento dos camarões e lagostins, que lança uma luz totalmente nova nas condições de parentesco dos crustáceos e sobre toda a morfologia dos artrópodes; espero que isto possa ser utilizado como importante meio de comprovação a favor dos ensinamentos de Darwin sobre a origem das espécies animais e vegetais. Elaborar a história do desenvolvimento dos animais a partir de larvas pescadas no mar, as quais percorrem uma longa série de formas, é um dos trabalhos mais sacrificados e que mais tempo consomem, mas também é de todos o mais atraente, emocionante e com freqüência, cheio de verdadeiro enredo romanesco, decepções, surpresas”.

O objetivo de Müller era descobrir se os crustáceos evoluíram, se adaptando ao ambiente. Estudou em várias espécies as formas que os crustáceos passam até chegar a idade adulta definitiva. Descobriu que algumas espécies tinham um desenvolvimento mais complexo, passando por vários desses estágios. Outras paravam no meio do caminho, adotando um desses pré-estágios como forma adulta.

Assim ele montou uma espécie de árvore genealógica dos crustáceos, concluindo que as espécies com desenvolvimento mais complexo evoluíram de outras com desenvolvimento mais simples por meio de adaptações ao ambiente. Todos os estudos comprovaram o que Darwin havia descrito em teoria. Os estágios pelos quais passam os crustáceos antes de chegar à forma adulta seriam repetições das espécies ancestrais a partir das quais esses animais evoluíram.

Em 7 de Setembro de 1863, Fritz Müller concluía um pequeno porém consistente livro, repleto de fatos novos e em consonância com as ideias propostas por Darwin."Für Darwin" (A Favor Darwin) foi editado em Leipzig, Alemanha, em 1864. Não demorou para que o próprio Darwin viesse a tomar conhecimento deste precioso e inesperado colaborador que se manifestava da América do Sul.

Darwin ficou impressionado com o livro e bancou a tradução para o inglês, lançando a obra com o nome Facts and arguments for Darwin (Fatos e argumentos a favor de Darwin), e passou a citar o cientista alemão nas edições seguintes de "Sobre a origem das espécies". Os dois naturalistas trocaram correspondência intensa e se tornaram amigos. A primeira carta foi escrita por Darwin em 10 de agosto de 1865. A última carta que Darwin remeteu para Fritz Müller, foi datada em 4 de abril de 1882, quinze dias antes de sua morte. Sabe-se que Darwin escreveu 58 cartas a Fritz Müller, em 17 anos de troca de correspondência. Uma freqüência considerável, uma vez que em média, uma carta levava 45 dias a caminho.

Também manteve correspondência com Hermann Müller, Alexander Agassiz, Ernst Krause, e Ernst Haeckel.

Haeckel generalizou conceitos introduzidos por Fritz Müller, elaborando a controversa Lei da Biogenética Fundamental. Passou a afirmar, de forma dogmática, que todas as espécies de animais recapitulam as mudanças ocorridas em sua ancestralidade durante o desenvolvimento larval ou embrionário.

Outros trabalhos

Fritz Müller também contribuiu com a biologia com a teoria do mimetismo mülleriano. Formulou a teoria ao observar que diferentes espécies de borboletas da mata Atlântica possuíam sabor desagradável se assemelhavam mutuamente a fim de enganar as aves. Se um pássaro “experimentasse” uma borboleta de qualquer uma destas espécies se lembraria de seu gosto horrível e evitaria comer outras borboletas parecidas. Essa relação é chamada de mimetismo de Müller ou anel mimético que era diferente do mimetismo apresentado por Henry Bates. [2]Para analisar o mimetismo entre duas espécies de lepidópteros, ele elaborou a primeira equação matemática aplicada à ecologia. [3]

Publicou 248 artigos científicos sobre o estudo de animais e plantas. Catalogou novas espécies e realizou estudos sobre crustáceos, borboletas, cupins, abelhas brasileiras (foi um dos maiores observadores) e outros insetos.

Uma boa parte do que se sabe sobre a biologia desses seres vivos. Do qual podemos citar:

Abelhas sem ferrão. Um dos seus temas preferidos, etudou os habitos das ablhas melíferas sem ferrão dos gêneros Melpoma e Trigona. Se protegem expelindo um veneno quando perturbadas.

Dimorfismo sexual em mosquitos. Outra descobera foi o dimorfismo sexual em mosquitos da familia Blepharicedae. Existem duas formas femininas com diferentes aparelhos bucais: uma suga sangue e outra néctar - igual aos machos. Para comprovar, ele seccionou as moscas; criadas desde o estágio de pupas.

Cupins. Müller corrigiu muitos erros da literatura científica sobre os cupins. Seu sistema d castas é bem diferente das formigas. Existindo membros de ambos os sexos, enquanto que entre os himenópteros as castas são formada apenas por fêmeas. Os cupins são classificados em um grupo totalmente a parte das formigas, denominada Isoptera.

Entre 1884 e 1885, encontrou um verme gigante de 1,5 metros (Balanoglossus gigas), até então conhecido apenas em versões bem menores. Mas não conseguiu convencer a comunidade científica da descoberta por não conseguir enviar um exemplar inteiro para a Europa (ele se enterrava na areia e quebrava ao ser puxado). Só em 1893 a descoberta foi confirmada, com exemplares do mesmo animal encontrados em São Sebastião, no litoral paulista.

Pesquisou a simbiose entre a embaúba e formigas. No pecíolo da folha da embaúba existe uma parte branca e saliente que vista pelo microscópio revela uma glândula (chamada “corpúsculo de Müller” em homenagem ao descobridor) que produz uma substância doce que contem glicogênio. As formigas se alimentam deste mel e vivem entre os nós dos galhos da embaúba protegendo a árvore do ataque de insetos nocivos.

Fez também excelentes observações sobre a fecundação de orquidáceas. Descobrindo que tais plantas são auto-estéreis, ou seja, o pólen de uma flor é incapaz de fecundar os óvulos da mesma. Dependendo de agentes polinizadores. Esses dados ajudaram Darwin em sua pesquisas sobre orquideas. Fritz também trocou sementes com Joseph Hooker, que lhe enviou amostras do Jardim Botânico de Kew.

No fim da vida se dedicou ao estudo de bromélias. E uma das mais belas descobertas se refere à fauna encontrada nas bromeliáceas. Nestas plantas ocorre o acúmulo de água suficiente para permitir a proliferação de muitos seres minúsculos – protozoários, miriápodes, larvas de dípteros, ortópteros, neurópteros, tricópteros, tipulídeos e sirfídeos, além turbelários, aracnídeos e um crustáceo da família Cytheridae, ao qual deu o nome de Elpidium bromeliarum.

Fez também excelentes observações sobre a fecundação de orquidáceas. Descobrindo que tais plantas são auto-estéreis, ou seja, o pólen de uma flor é incapaz de fecundar os óvulos da mesma. Dependendo de agentes polinizadores.Retornou a Blumenau em 1867 e voltou à atividade de colono, pesquisador e médico se tornando presidente da câmara dos vereadores anos depois. 1876 foi nomeado “Naturalista viajante” do museu nacional por D. Pedro II e só perdeu o cargo em 1891 com a proclamação da república.

Foi chamado por Darwin de “O Príncipe das Observações” e recebeu o título de Doutor Honoris Causa das universidades de Tübingen e de Bonn na Alemanha.No final de sua vida era considerado um dos maiores cientistas do mundo apesar de estar longe dos grandes centros acadêmicos da Europa e praticamente não ter contato com outros pesquisadores. Seus artigos podem ser vistos na biblioteca da USP em São Paulo.

Johann Friedrich Theodor Müller faleceu no dia 21 de maio de 1897, aos 75 anos, na casa de sua filha Johanna em Blumenau. Teve dez filhos, destes apenas um do sexo masculino que morreu pouco depois do parto. Recebeu várias homenagens póstumas incluindo uma estátua em uma praça em Blumenau e um museu ecológico instalado em sua antiga casa. Além de várias homenagens do meio acadêmico. Haeckel o chamou de “Herói da Ciência”. Sua vida foi descritas em várias biografias e deixando uma lição de humildade, amor pela ciência e busca pela liberdade expressada por duas de suas frases; “sem liberdade não há verdade e nem virtude” e “... tomei a firme decisão de tudo sacrificar pela verdade e pela liberdade”.

O livro de Fritz Müller "Facts and Arguments for Darwin" pode ser visto no site abaixo (em inglês):
http://www.wattpad.com/10558

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Selo da Scientifican American Brasil

O Evolução e biologia está prestes a completar dois anos de existência com o objetivo de divulgar a ciência e defender a biologia do ataque de pseudociências. Sempre com a preocupação da qualidade das informações. E, com surpresa, que no mês passado recebi uma mensagem da editora Duetto informando que o Evolução e biologia receberia o elo da Scientific American Brasil.

É muito gratificante esse reconhecimento vindo de uma das melhores revistas de divulgação científica do país. E reforça ainda mais o compromisso de fazer divulgação científica de qualidade e continuar a abordar temas sobre a biologia. A promoção da ciência e do pensamento crítico é muito importante para a sociedade e é esse ideal que move este blog. Meu fascínio por esses temas e a intenção de fazer ciência vieram justamente pela divulgação da mesma e com essa iniciativa, quem sabe, também inspirar futuros cientistas.

Tenho que agradecer a Scientific American Brasil que teve essa iniciativa e a Fernanda da Editora Duetto que foi quem descobriu o blog. E também ao Ravick Bitencourt, um grande amigo e entusiasta do blog que sempre me apoiou e acompanhou como leitor e colaborador, divulgando o E&B no Os Amorais. Assim como a todos os colaboradores e leitores do blog.

"Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil - e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos." (Albert Einstein)

Eduardo Real
"Evolução e Biologia"

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Arau gigante

Arau-gigante (Pinguinus impennis) é uma espécie de ave alcídeo não voadora que habitava ilhas do Atlântico Norte, nas costas do Canadá, Groelândia, Islândia, Noruega e Grã-Bretanha. Apesar do nome pinguinus não possuía ligação evolutiva próxima com os pingüins.

O arau-gigante era o maior do grupo dos alcídeos, com cerca de 75 cm de comprimento para 5 kg, um peso relativamente elevado para uma ave do seu tamanho e possível apenas porque era não voador. A sua plumagem era brilhante, branca e negra, com as maiores remiges (penas de vôo) medindo apenas cerca de 10 cm, insuficientes para voar. Os pés eram pretos, bem como os dedos que estavam unidos por uma membrana interdigital de cor castanha. O bico era também negro, com riscas transversais brancas. A cabeça era predominantemente preta, com manchas de plumas brancas entre o bico e olhos.

O arau-gigante não voava mas era um excelente nadador subaquático, propulsionado pelas asas, convertidas em barbatanas. A sua fonte de alimentação era peixes de tamanho médio, até cerca de metade do seu comprimento total. Os seus principais predadores eram cetáceos e aves de rapina. Em terra o arau-gigante não conhecia predadores e movimentava-se lentamente sem receios inatos.A época de reprodução tinha lugar no Verão e os juvenis chocavam por volta de Junho. Cada casal de araus-gigantes incubava apenas um ovo, amarelado e ponteado de negro, por ano.

O desaparecimento do arau-gigante deve-se apenas à intervenção do Homem. O arau-gigante era procurado pela carne, ovos e plumas, mas este tipo de caça não afectou a sua população em termos globais. Com o advento da exploração marítima do Atlântico Norte, o Homem passou a caçar os araus-gigantes em toda a extensão do seu habitat e nas suas colónias de nidificação. Em terra, era particularmente vulnerável, dada a sua incapacidade de voar e falta de medo de humanos.

Era caçado como alimento por baleeiros sua carne era usada como isca na pesca do bacalhau e da lagosta.

A exploração do arau-gigante colocou a espécie em perigo de extinção entre os séculos XVIII e XIX. Porém, a mentalidade da época tinha uma perspectiva diferente sobre como abordar uma espécie ameaçada. No auge do entusiasmo com o naturalismo, os ovos e exemplares de arau-gigante tornaram-se um item muito apreciado por colecionadores, o que aumentou ainda mais a pressão sobre as suas populações. O último casal foi caçado em Julho de 1844 enquanto chocava um ovo, numa ilha ao largo da Islândia.

Restam cerca de 80 ovos e outros tantos exemplares taxidermizados em museus e coleções particulares.